O muralista boliviano que a ditadura não conseguiu apagar

O muralista boliviano que a ditadura não conseguiu apagar

A eterna homenagem a Alandia, o muralista boliviano que a ditadura não conseguiu apagar

La Paz, 24 de julho (EFE) - Uma sala de exposição permanente e uma réplica de um mural destruído durante a ditadura militar de René Barrientos fazem parte da homenagem do Museu Nacional de Arte da Bolívia (MNA) ao artista visual Miguel Alandia Pantoja, o "pintor da revolução", também considerado um dos grandes muralistas da América Latina.

A inauguração da Sala Permanente "Miguel Alandia Pantoja" representa "dois grandes sonhos realizados". Um deles é ter um espaço onde a obra do artista "seja apreciada por muitos anos", explicou à EFE a diretora do MNA, Claribel Arandia.

O segundo foi proposto pela família de Alandia para substituir o mural "História da Mina", que o artista pintou no antigo Palácio do Governo, ou Palácio Quemado, que foi destruído a tiros durante a ditadura.

A galeria é "um presente antecipado" para o bicentenário da independência da Bolívia, que será comemorado em 6 de agosto, e também "uma homenagem aos artistas bolivianos que preservam o ofício da pintura", acrescentou Arandia.
Miguel Alandia Pantoja nasceu em 1914 na cidade mineira de Catavi, na região andina de Potosí, e foi um pintor autodidata que deixou obras que representam suas mensagens revolucionárias no Chile, Peru e Bolívia.

Alandia morreu no exílio em Lima em 1975, e seus restos mortais foram repatriados e enterrados no Cemitério Geral de La Paz. Posteriormente, em 2020, foram transferidos para o Museu da Revolução Nacional, onde permanecem dois de seus murais mais icônicos.

Segundo Arandia, um dos aspectos que marcaram o artista foi ter lutado na Guerra do Chaco, travada entre Bolívia e Paraguai (1932-1935), pois "após presenciar os horrores" daquele evento, "ele enfrentou o que chamamos, no processo criativo, de conflito sobre o que e por que iria fazer arte".

"Sua pincelada tem sido sua forma de lutar e denunciar todos os abusos sofridos naquela época, que permanecem relevantes até hoje. É uma mensagem que não morreu com o tempo, nem com sua vida", afirmou.
Isso lhe rendeu o apelido de "pintor da revolução", pois também foi um "ator fundamental" na criação de instituições sindicais "emblemáticas" do país, como a Central Operária Boliviana (COB).

Em 1965, durante uma turnê pela Europa, o governo de fato de Barrientos ordenou a destruição de todas as suas obras em instituições públicas e privadas.

Em resposta, o boliviano enviou cartas a artistas e intelectuais latino-americanos "por considerar um ato desprezível" o Estado destruir a arte, conquistando a solidariedade dos mexicanos Diego Rivera e David Alfaro Siqueiros, com quem construiu "o que hoje conhecemos como o boom do muralismo" na região, lembrou Arandia.

Homenagem Permanente

Em 2024, a Fundação Cultural do Banco Central da Bolívia (FC-BCB) concluiu a aquisição de um acervo de 152 obras do artista, além de esboços, recortes de jornais, cartazes e correspondências, que foram depositados sob a custódia do MNA (Museu Nacional de História Natural).
Para divulgar esse legado, inscrito no ano passado no Programa Memória do Mundo para a América Latina e o Caribe (Mowlac) da UNESCO, o museu decidiu montar esta exposição permanente das obras de Alandia, "que são de marcante importância para a arte boliviana e latino-americana", disse à EFE o curador do MNA, Danilo Villamor.

A exposição apresenta as "obras mais icônicas" da artista, incluindo cenas da Guerra do Chaco, figuras de mulheres aimarás, mineiras, trabalhadoras e as "apu mamas", uma representação de mulheres indígenas "que se posicionam bravamente diante das injustiças ocorridas naquela época", disse Villamor.

A joia da coroa é a réplica de "História da Mina", o mural de 80 metros quadrados que Alandia pintou em 1953 no Palácio Quemado e que Barrientos ordenou que fosse destruído em 1965.

Entre o acervo adquirido pelo MNA estava o esboço deste mural, que as artistas Bertha Karita e Champi utilizaram para reproduzi-lo em uma superfície de dez metros de comprimento por três de largura.

O museu planeja rotacionar as obras em exposição.
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